Entrevista com Dom José Rodrigues- Berro d' água
Em edições dos anos de 1987 e 1988, o jornal Berro d’Agua, editado em Juazeiro,
veiculou entrevistas com personalidades que desenvolviam trabalhos sociais na
região. Entre os personagens estão: Antonila Cardoso, Bertolino Nascimento,
Chico Romão e Dom José Rodrigues.
As entrevistas com personagens locais são um testemunho de uma época e contexto social que se refere, na sua maioria, aos problemas sociais, políticos, educacionais e culturais da cidade. Ao realizar as entrevistas, a equipe do Berro D´Agua permitiu dar voz a essas pessoas e cumpriu com a função do jornalismo de promover o debate público.
Acompanhe semanalmente a publicação dessas entrevistas.
A primeira é de Dom José Rodrigues, o Bispo da Diocese de Juazeiro ficou conhecido pela atuação em defesa das classes populares.
Além do apoio aos mais pobres, outro motivo que o
levou a ser criticado por fieis, era a capacidade de criar atos simbólicos como
alterações nas programações religiosas feitas pela Diocese de Juazeiro. Para saber mais sobre as opiniões polêmicas que envolviam o Bispo, leia a entrevista dele, transcrita abaixo.
Jornal Berro D' Água, Edição de janeiro de 1987. |
Pena que D. José, envolvido com o seu trabalho pastoral, não nos forneceu a entrevista da maneira que desejávamos e tivemos que formular as perguntas para que fossem respondidas nos seus momentos de folga. A lamentar, também, o fato de não contarmos com espaço suficiente para que transcrevêssemos a entrevista na íntegra.
P. Observamos a proliferação pelo Brasil de igrejas cristãs não católicas com grande aceitação popular. Surgem até mesmo, derivadas da igreja católica. Como o Sr. avalia essa situação? O que o povo vai buscar nessas igrejas?
R. A proliferação não é tanto de “igrejas cristãs não Católicas”, mas das “seitas”. Como o nome pode ser pejorativo, vamos chamá-las de “movimentos religiosos independentes”. Esses movimentos estão surgindo não só no Brasil, mas em toda a América Latina, bem como nos países do Primeiro Mundo. Despertam a preocupação não só da Igreja Católica, mas das igrejas Evangélicas chamadas históricas (Luterana, Presbiteriana, Metodista, entre outras).
Existe certo consenso em distinguir três tipos de Protestantismo: um tradicional e histórico, polarizado nas “denominações” ou “igrejas”; um fundamentalista e conservador ou de “satisfação” e um secretário, desenvolvido a partir dos anos 30. “No bloco sectário”, podem-se distinguir, pelo menos, quatro grandes grupos: o da chamada “igreja eletrônica”, formada por empresas e voltada para a mídia; meios de comunicação social; um grupo de extrema direita, reunido em torno da “Maioria Moral” norte-americana e da Universidade Earl Roberts, ultraconservadora, dos EUA; o das fundações, como a World Vision (Visão Mundial), com orçamento anual de 55 bilhões, a Billy Granham Evangelistic Association, que dá grande apoio a igreja Batista do Brasil e ajudou a implantar a nova TV Rio (Carioca); às "Faith Missions” que levantam Fundos enviam missionários e apoiam projetos no terceiro mundo, fora do âmbito das igrejas; chamo atenção para a “Visão Mundial”, fundada em 1950 na Califórnia/EUA, por Bob Pierce, atua hoje em 87 países, mantendo 2.993 projetos e atingindo diretamente 3,5 milhões de pessoas. Chegou ao Brasil em 1963. Apadrinha, hoje, 36.072 crianças em 17 Estados Brasileiros. Entre 1980 e 1983, o número de projetos para o Nordeste passou de sete para oitenta e sete.
"CONSERVAR OS PONTOS POSITIVOS E AJUDAR O POVO A SUPERAR OS PONTOS NEGATIVOS"
P. De que maneira a Teologia da Libertação encara a religiosidade popular? O que essa Teologia propõe nesse sentido?
R. Para a teologia da Libertação, Religiosidade Popular é o conjunto de crenças profundas marcadas por Deus, das atitudes básicas que derivam dessas convicções e das expressões que as manifestam. Como a religião do povo latino-americano, em sua mais característica, é expressão da fé católica, podemos falar de um “Catolicismo Popular”.
Considero positivo da Religiosidade Popular: Cristo celebrado em seu mistério de encarnação (Natal, menino Jesus), em sua paixão na Eucaristia; devoção a Nossa Senhora; devoção aos Santos, lembrança dos falecidos; consciência do pecado e da necessidade de expiação; a fé situada no tempo (Festas) e em lugares (santuários); gosto pelas caminhadas e romarias; capacidade de celebrar a fé em forma expressiva e comunitária; capacidade de sofrimento e heroísmo para suportar as provas e confessar a fé; valor da oração; aceitação dos outros.
Como negativo eu destacaria: Superstições, magia, sincretismo, fatalismo, idolatria do poder, fetichismo, sujeita a manipulações ideológicas, econômicas, sociais e políticas. No Nordeste, se não se toma cuidado, as festas religiosas, como dos padroeiros, são dominadas inteiramente pelos políticos. É uma coisa incrível.
Que fazer diante da realidade popular?
Naturalmente, conservar os pontos positivos e ajudar o povo a superar os pontos negativos. O documento de Puebla, publicado em 1979, dedica um capítulo todo à Realidade Popular, de nº 444 a 469. A diocese de Juazeiro vem-se preocupando com o problema. De 22 a 25 de junho passado realizou-se, no Centro de Carnaíba, o 5º Encontro de Catequese do Regional Nordeste III, que abrange os Estados da Bahia e Sergipe. O tema foi, o Pe. José Oscar Beozzo, Diretor do Centro Ecumênico de Serviço e Educação Popular (CESEP) E Coordenador da Comissão de História da Igreja na América Latina (CEHILA). Agora, nos dias 9 e 10 de outubro, novamente no Centro de Carnaíba, aconteceu o Encontro sobre Cultura e Religiosidade Popular para o Sub-Regional-6, que abrange as Dioceses de Juazeiro, Bonfim e Rui Barbosa. Assessor foi o prof. Carlos Rodrigues Brandão, grande antropólogo e folclorista brasileiro.
De tudo que li e ouvi nesses Encontros, eu diria que:
Precisamos valorizar Religiosidade Popular; Desenvolver uma Catequese Renovada, que parta da realidade do povo; Continuar despertando as CEBS (Comunidades Eclesiais de Base), onde o povo possa viver e celebrar sua fé e discutir seus problemas à luz da Palavra de Deus; incentivar, cada vez mais, a leitura da Bíblia.
Tentar colocar o “novo” dentro do “velho”: unir fé e vida, celebrar as lutas e pequenas vitórias do povo;
Respeito à Religiosidade Popular, mas firmeza diante dos que querem explorar o povo a partir da Religião.
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P. Secularmente, a igreja católica centralizou na figura do Padre a intermediação do homem comum com Deus. Atualmente, entretanto, os leigos celebram os sacramentos que eram exclusivos dos padres. Como tem sido a reação dos católicos com relação a essa postura da Igreja?
Não é por falta de Padre que o Bispo dá autorização para os Agentes Leigos celebrarem do Batizados e testemunharem os Casamentos Religiosos. É porque os serviços da Comunidade devem ser realizados por pessoas diversas. É uma consequência do Batismo e da Crisma. Faz parte do “Sacerdócio comum” dos fiéis.
Quanto mais pessoas participarem da vida da Comunidade, tanto mais animada será a comunidade!
A concentração de funções e de poder na Igreja é fruto da história. Pelas cartas de São Paulo, sabemos que na igreja primitiva havia diversidade de ministérios (serviços). Por ex.: desde crianças aprendemos que em casos urgentes, qualquer batizado pode batizar outra pessoa. Então, o batismo não era coisa exclusiva do padre. Quanto ao Casamento, sabemos que os “ministros” (celebrantes) são os dois (homem e mulher) que se casam. O padre é, apenas, testemunha desse casamento diante da igreja. Por que a testemunha não pode ser um leigo? Como bispo, sei que tenho o poder de permitir aos leigos testemunharem os casamentos religiosos.
Mas quero manter a unidade com o Papa, desde 1976, com Paulo VI, tenho conseguido autorização para permitir isso. Ainda na visita ao Papa João Paulo II, em setembro de 1985, renovei a autorização até 1990.
Qual a reação dos católicos?- Naturalmente, no começo estranham a mudança. Com as devidas explicações, vão aceitando. Os que mais resistem, em geral não são os pobres, mas a elite ou classe dominante. Esta, por vaidade balofa, gostaria que os batizados, e casamentos da família fossem feitos pelo Bispo ou, pelo Papa!
"É CLARO QUE NOSSA SENHORA NÃO QUESTIONA NINGUÉM!"
P. A religiosidade popular é um dos aspectos da cultura do povo. Desde que o Sr. está a frente da Diocese de Juazeiro presenciamos algumas alterações em tradicionais programações religiosas. Exemplo disso foi a substituição das costumeiras flores da ornamentação do andor de N. Srª da Grotas por cactos da região; a inclusão de faixas com dizeres politizados na procissão da padroeira de Juazeiro; a divulgação de um novo hino da padroeira; e em Curaçá, no ano passado, na Centenária Festa de São Benedito, não havia nenhum padre presente e a população, mesmo assim, realizou-a. então vemos operadas uma série de mudanças. Com que objetivos elas são operadas?
R. Depois de tudo o que falei sobre a Religiosidade Popular, você entende que essas mudanças são feitas para restituir ao povo as festas de seus Padroeiros.
Você cita o caso dos cactos no andor de N. Srª das Grotas e das faixas politizadas na procissão da Padroeira. Isso aconteceu na festa de 1984, que esteve a cargo da Pastoral da Juventude do Meio Popular. Nos 11 anos que estou na Diocese de Juazeiro, foi a festa que maior reação provocou na classe dominante da cidade. Um dos jornais da cidade chegou a publicar um editorial intitulado “PROCISSÃO SIM, COMÍCIO NÃO”!
Neste ano de 86, o temário da Novena foi bom, falava de renovação da sociedade, as faixas, porém, eram como a água: incolores e inodoras, isto é, sem cor e sem odor. No andor, a imagem de N. Srª das Grotas estava toda de branco. O locutor, no carro de som, explicava: “Nossa Senhora é a imaculada, toda alva, pairando sobre o mundo”. É claro que essa Nossa Senhora não questiona ninguém! Mas a Maria de Nazaré, mãe de Jesus, cantou no “Magnificat”: “Deus derruba os poderosos de seus tronos e eleva os fracos, sacia de comida os famintos e manda embora os ricos de barriga vazia”(Lc 1, 52-53). Essa Maria incomoda, questiona, arranca protestos!
P. A igreja católica, nos últimos tempos tem-se ocupado muito com a juventude. Muitas têm sido as formas de organização da juventude católica nas décadas de 60 e 70: JEC (Juventude Estudantil Católica), JUC (Juventude Universitária Católica). Hoje, existe a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PMJP) que reúne muitos grupos de jovens em Juazeiro. A que se destinam tais grupos? Por que a juventude do Meio Popular? O que eles fazem? Quais os resultados obtidos? Como tratam questões como o homossexualismo e drogas que se difundem com rapidez no meio popular? E com o aborto, que também ocorre com frequência e com altos riscos no meio popular?
R. Na conferência de Puebla (1979), os Bispos da América Latina fizeram duas opções fundamentais: pelos pobres e pelos jovens. E o documento de Puebla diz que “a igreja deve fazer uma Pastoral da Juventude que leve em conta a realidade social dos jovens de nosso Continente” (nº 1187) Como a maioria esmagadora dos jovens do Brasil é feita de pobres, viu-se a necessidade de desenvolver uma “Pastoral de Juventude do Meio Popular”. O que são, o que querem, está muito bem expresso no seu Hino Oficial. Vou cantá-lo para você:
I Ieilaô! I Ieilaô!
A juventude é a
Bandeira do amor.
Com o coração, com
As duas mãos,
Com todo povo, a
Gente faz um mundo novo
Pelos campos, cidades, nas vilas,
No trabalho, ou então desempregados,
Nas caatingas, nas fábricas, nas filas,
Com muita raça e vontade de lutar,
É a juventude do meio popular.
Somos filhos de trabalhadores.
A nossa classe é a classe popular
Mas temos sonhos e também muitos amores
Também queremos trabalhar, participar
É a juventude do meio popular
Nossa luta é pelo engajamento
Nos Bairros e também no Sindicato
Nós precisamos ficar todos unidos
Pra conquistar nosso direito que é negado
Nossa força quem nos dá é Jesus Cristo,
Que nos empurra e ilumina o caminho,
Pois ele é o nosso companheiro
Outras questões que você aponta, como; homossexualismo, drogas, aborto e semelhantes, têm sido tratadas nas reuniões de grupos, com orientação de uma médica, Drª Ruth. É claro que deverão ser retomadas para aprofundamento.
P. Alguns acreditam que a Diocese de Juazeiro está ligada ao Partido dos Trabalhadores. Isso é verdade? Qual é o projeto político que rege os trabalhos de base desenvolvidos por esta Diocese?
R. A Diocese de Juazeiro, esta entidade que tem território de 60.000 km² e uma população de 355.000 habitantes, não está ligada ao partido dos trabalhadores, pois nela estão presentes as diversas opções partidárias.
A Diocese de Juazeiro, como a igreja Universal, não tem um “projeto político” próprio, pois essa não é sua missão; seria ressuscitar a “Cristandade”, a quase identificação da Igreja com o Estado.
A missão da Diocese, como da Igreja, é fazer acontecer o Reino de Deus, isto é, fazer com que os homens e mulheres se tornam filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs uns dos outros, senhores e senhoras da terra. O reino de Deus começa neste mundo e chega à plenitude do céu, onde Deus será tudo em todos. Portanto, a missão da Diocese, como Igreja, tem uma dimensão escatológica, vai além do tempo e da História.
Mas estamos convencidos de que o trabalho pastoral da Diocese, como da igreja, tem repercussões políticas.
Não existe trabalho pastoral “apolítico”: ou apoia e legitima o governo que aí está, e é situacionista, ou questiona e combate, e é de oposição, mas que não sei identificar com as siglas oposicionistas que porventura existam.
*NOTA DO ACERVO MARIA FRANCA PIRES: Foi feita a transcrição literal da entrevista tal como foi publicada pelo Berro d’Água.
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