A Cronista de Juazeiro

A cidade de Juazeiro se despediu, hoje, da professora, cronista, poetisa e escritora baiana, Antonila da França Cardoso, aos 82 anos, por complicações decorrentes da Covid-19. Uma intelectual de voz lúcida, cativante e crítica, como nos mostra a entrevista do jornal O Berro D’Água, disponível no Acervo Maria Franca Pires, na UNEB, Campus III, Juazeiro-BA. Antonila era licenciada em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, Bacharel em Educação Religiosa pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (PE), integrante da Academia Juazeirense de Letras e autora de diversos livros.

Em 1976, Antonila foi morar em Brasília, onde trabalhou na Câmara dos Deputados e, 12 anos após sua saída de Juazeiro, concedeu em 1988 entrevista ao O Berro D’Água, onde fez um exame contundente a respeito da “falta de continuidade histórica ou política” de uma Juazeiro parada no tempo. Discorria que, apesar das mudanças físicas no cenário da cidade, na década de 1980, a mentalidade do povo juazeirense continuava praticamente a mesma, com os preconceitos de sempre. A comunidade não abraçava a cultura, os artistas se viam obrigados a agirem individualmente, como podiam, ou no caso dela, partiam para outras cidades.

Nas crônicas que escreveu para o programa de rádio “E nós para onde vamos”, na Rádio Juazeiro, denunciava os problemas da cidade, que provocavam “queixas” nos setores de trânsito, justiça, na classe médica e no prefeito Durval Barbosa, amigo da sua família. “Chegou-se a um ponto em que, ou me inimizava com a cúpula administrativa da cidade e magoava minha família, ou ficava bem com todo mundo e deixava de ser eu mesma. Resolvi ir embora”.


Antonila considerava que faltava a Juazeiro organização política e união, a cidade era movida pelo separatismo. Saiu daqui para se livrar da atmosfera dispersiva, “sedimentada na rivalidade”, para ser livre. A cronista conta que cidadãos juazeirenses fiscalizavam o modo de dar aulas dos professores que atuavam nos colégios Edson Ribeiro e Rui Barbosa, “como se fizéssemos diferença entre dar aulas para um ou outro dos colégios”. Quando pesquisou o folclore da região, pessoas se encarregaram de dizer “aos Congos: ‘não cantem para ela, porque é dos Viana’; nos candomblés: ‘não deixem que ela entre, porque é protestante’, e assim por diante”.

Tinha a cultura como um valor inestimável, buscando conhecer a cultura popular juazeirense e manter viva a história dessas margens. Valorizava o trabalho daqueles que se dedicavam a pesquisar a história de Juazeiro, como a professora Maria Franca Pires, a quem tinha muito respeito. Baseado nisso escreveu o livro “Nosso Vale… seu folclore beira-rio” e o livro de crônicas “Umas e Outras”. “Se os filhos da terra não se interessarem por sua própria história, quem irá fazê-lo?”, dizia.

Professora que influenciou geração de intelectuais 

No campo da educação foi uma professora inventiva, criadora de possibilidades, que defendia a educação de base, uma educação que não se espelhasse em modelos de países desenvolvidos, mas olhasse para nossa própria realidade, aspirações e valores. Era apaixonada pela arte. Acusada de fazer a cabeça dos alunos para serem artistas. “E artista era sinônimo de marginal”.  Dedicou-se a uma prática pedagógica que estimulasse os alunos a ter criatividade, o brincar, o pensar, a serem sujeitos ativos.“Eu me perguntava: qual a utilidade de ficar o aluno se perguntando eternamente: onde está o sujeito? Que aplicação prática iria ter isso em sua vida? Ele precisava era saber falar, saber escrever e compor. Saber pintar, escrever peças, representar”.

Educou, segundo suas próprias palavras, várias “cabeças brilhantes”, como Lúcio Emanuel, Múcio Brandão, Joseph Bandeira, Odomaria Bandeira Macedo, Marcos Borborema, Expedito Nascimento (Expeditinho), Antônio Coelho Assis (Coelhão). Junto a seus alunos fez antologias, livros-textos em que incluía Vinícius, Guimarães Rosa, Caetano, Chico e Millôr Fernandes. Colocou muita gente em contato com a música de vanguarda da época. Tudo isso no período da ditadura, numa época de repressão em que não se podia falar de política, a história era censurada e era preciso “ter muito trato” com as palavras.

Filha dessa terra, Antonila, apesar dos pesares, nunca abandonou Juazeiro, quando estava em Brasília sempre encontrou jeito de visitar a cidade e anos depois voltou a residir aqui. Ao jornal O Berro d’Água, ela declarou: “Juazeiro é uma cidade que tem tudo pra ser e não é. Isso me faz sofrer”. Já Antonila, tinha tudo o que era preciso pra ser, e foi. Que hoje possamos sofrer sua perda, rememorar e celebrar sua notável trajetória.

Antonila da França Cardoso, a cronista, poetisa e professora de Juazeiro, encerrou sua entrevista assim: “Como Cecília Meireles, eu apenas diria: ‘Responder a perguntas, não respondo. Perguntas impossíveis não pergunto. Só do que sei de mim aos outros conto. De mim, atravessada pelo mundo’”.

Texto de Jônatas Pereira, aluno de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia e bolsista do projeto de pesquisa História e Memória do Território Sertão do São Francisco, sob coordenação da professora Dr. Edonilce da Rocha Barros.

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