Entrevista com Chico Romão- Berro d'água

Chico Romão foi professor e uma personalidade importante na vida social de Juazeiro. Durante a sua atuação como educador no Colégio Rui Barbosa, sempre se manifestou com consciência sobre a gestão escolar e apresentava publicamente as divergências relacionadas ao modo como o colégio era administrado.


Em sua juventude fez parte do Partido Comunista do Brasil (PCB), se manifestando a favor das causas
populares, por consequência disso foi perseguido e preso em 1964, durante a ditadura militar.

Envolvido na política da cidade, incentivou e apoiou campanhas políticas de alguns candidatos a vereador e deputado do município. Uma das coisas que mais chamava atenção da população

era a sua capacidade de se comunicar com diferentes pessoas ligadas à arte, política, educação e comércio que paravam para conversar com o professor.

Acreditava nas potencialidades de desenvolvimento da cidade e defendia que uma das principais problemáticas de impedimento do crescimento de Juazeiro era a falta de um líder político capaz de desenvolver um plano que apoiasse o conhecimento sobre a história e cultura do município. Também defendia que as pessoas precisavam se organizar politicamente para lutar pelo bem comum.


Para saber mais sobre as opiniões do professor, leia a entrevista dele, transcrita abaixo.

CHICO ROMÃO

O BERRO quis saber o que o Chico Romão tem para ser tão procurado por pessoas das mais diversas matizes políticas, intelectuais, artísticas, etc. O resultado está aí: Juazeiro visto da maneira franca e crítica, como poucas vezes o é. Visto por um Juazeirense, chegado aqui em 1942, aos 12 anos de idade.

Casado com D. Teresa, e pai de 4 filhos- Gleide, Fredão, Domingão e Bob- Chico Romão diz que apesar de todo o sofrimento que passou após a implantação do Regime de 64, nem tanto pelos militares mas pelos que detestavam suas posições “racionais”, nos assuntos de Juazeiro “se sente muito à vontade”.

 

Jornal Berro D' Água, Edição de 1987.
Fonte: Acervo Maria Franca Pires.


P- Uma das coisas que mais intriga: todos os dias quando passamos pela gráfica encontramos sempre as mais diferentes pessoas (políticos, artistas, estudantes, comerciantes) num bate-papo com você. Gostaríamos de saber o que é que as pessoas vão buscar lá? O senhor tem alguma bola de cristal?

R- É fácil a explicação. Apesar das pessoas não gostarem do homem independente para mover as suas empresas, nos seus jornais, eles têm uma admiração tremenda pelo homem independente. Então, assim como eu sou realmente independente, não penso pela cabeça de ninguém, não temo, não sou agregado à filosofia nenhuma, eles vão lá ver qual o meu ponto de vista a respeito dos assuntos. Passam a me procurar em decorrência disso: da independência.

 

P- Qual o preço que se paga por essa independência?

R- É um preço alto. É preciso que a pessoa não tenha vontade de enricar, não tenha vontade nenhuma de ser vedete, pouco esteja ligando para ficar só. É um preço alto. Agora, compensa porque você vive em paz com sua consciência.

 

P- Nós temos uma grande interrogação sobre a sua ligação com o Partido Comunista. Como é, o senhor foi ou é comunista?

R- É uma pergunta que vale a pena ser respondida.  As pessoas conhecem pouco da doutrinação comunista e, por isto, costumam dizer que fulano é comunista, sem saber. Me enquadram como comunista. É uma das coisas mais absurdas. O comunismo parte da Ditadura do Proletariado, por conseguinte, um estado forte. Eu sou defensor intransigente de um estado liberal. Eu jamais seria um comunista, como jamais serei nazista. O meu pensamento em relação ao Estado é que este deve ser um orientador das pessoas e não dominador.

 "NÃO VOU ADMITIR QUE UM PAI DE FAMÍLIA TENHA UM FILHO SEM ESTUDAR PORQUE TEM QUE FAZER UMA FARDA"



P- Então nos explique por que o senhor foi preso em 1964.

R- A prisão em 64 decorreu da minha vinculação com o povo. A classe média não gostava do meu posicionamento, da maneira como eu colocava as coisas. Vou lhes dar um exemplo: no Colégio Rui Barbosa o Diretor queria implantar a farda de gala. Quando chegou na minha vez, disse: “isso é um absurdo! Se tem gente aqui de nível médio ou rico, é um problema deles”. O colégio é para os pobres. Não vou admitir que um pai de família tenha um filho sem estudar porque tem que fazer uma farda. Não, está errado: O pessoal gosta mesmo é de apresentar riqueza, fortuna, quando nós sabemos que a região possui uma economia fraca, com um baixíssimo poder aquisitivo. Problemas desse tipo levaram a que eu ficasse visto como um comunista, quando eu defendia simplesmente o racional?

 

P- Professor, o senhor organizou várias campanhas políticas, mas nunca esteve á frente de nenhum cargo público.

R- Eu não queria nada, como não quero. Eu não faço nada com intenção... Muita gente diz “O bicho é cheio de nota, tem segundas intenções”. Eu rio, eu rio porque as segundas intenções não estão comigo. Estão com eles. Estou fazendo as coisas para que deem certo. Eles é que imaginam. Muita gente queria que eu fosse isso ou aquilo, fosse aquilo outro. “Minha gente eu não quero ser nada. Eu quero apenas que haja uma administração séria”. Resultado: como a administração não foi séria, eu terminei brigando com Arnaldo.

 

P- Juazeiro é o sexto colégio eleitoral do Estado da Bahia, mas só conseguiu eleger um deputado estadual. Tem-se atribuído esse fato, entre outros, à diluição de votos em diversos candidatos que não possuem nenhuma ligação com a comunidade. Como o senhor vê essa questão?

R- Juazeiro é uma cidade cosmopolita, é uma cidade que possui uma quantidade de gente muito grande com vinculações de todo o estado, de toda a Nação.

Agora, a falta de maior número de eleitos é consequência dos candidatos não terem valor. O grande problema é este. Quando eu digo valor, não é valor intelectual, não é valor moral, não é valor econômico. É valor dentro da comunidade. Muita gente pensa que tem esse valor, quando não está nem aí para eles. A vivência da gente na comunidade é observada e analisada.

 

P- Professor, como o senhor vê a “intelectualidade” Juazeirense?

R- Nesse setor Juazeiro decresceu muito. Hoje, eu vejo Juazeiro com pouca gente com alguma coisa na cabeça. Nessa geração nova tem algumas pessoas que se escusam até de aparecer para não serem chicanadas, apedrejadas. Às vezes produzem, mas só lá na frente é que vão expor os seus trabalhos. Na minha geração todo mundo se apagou. Há uma preocupação enorme de se adquirir dinheiro. De aprender alguma coisa, não. Escapa aí Expedito Nascimento e... não sei, uns dois ou três mais, que têm costume de ler, que se dedicam ao estudo. Está todo mundo atrás de ganhar dinheiro. Isso é ruim porque não se ganha dinheiro sem uma base cultural.

Outra coisa: há em Juazeiro um despeito muito grande pelo conhecimento dos outros. É o que mais me dói. O Pedro Raimundo, por exemplo, era chamado de doido (e quando o pessoal fala de Pedro Raimundo, que conviveu com ele, é mentira, muitos deles dizem para aparecer). Mas bem, ele era chamado de doido. Por quê? Porque ele vivia uma vida totalmente diferente dessa vida tola, sem sentido. Ele não perdia tempo com tolice. Pedro ficava no escritório, ora lendo, ora escrevendo, fazendo versos. Nessa geração atual nós temos o Joseph. Joseph é realmente um rapaz de muito valor, um rapaz bem dotado, de uma memória fora do comum. Agora, o que acontece? Foi pegado justamente no lugar errado. Eu pensando comigo dizia: será que essas pessoas estão entendendo? Aí é que não entendo-: se o Joseph é capaz de escrever muito bem, eu boto ele pra dançar? Ora, vamos dar ao homem condições para ele se projetar dentro daquilo que ele é capaz e não desviá-lo e ficar batendo palma. Isso não.

 

Jornal Berro D' Água, Edição de 1987.
Fonte: Acervo Maria Franca Pires.


P- Essa falta de intelectualidade atrapalha o desenvolvimento da cidade em termos de crescimento?

R- E muito. A pessoa de pouco preparo cresce economicamente, numa faixa limitada. Para ela, às vezes até para as pessoas que estão ao seu redor, é muito bom. Mas essa pessoa não tem a capacidade de impulsionar um maior desenvolvimento da comunidade, justamente por lhe faltar a base cultural.

 

P- Qual a avaliação que o senhor faz da Sociedade de Juazeiro? É uma sociedade conservadora, liberal...

R- Eu já tive a oportunidade de dizer que Juazeiro é uma cidade que tem que mudar de mentalidade. Juazeiro não é liberal, não é conservadora, não é comunista. É uma leviandade completa. Há necessidade de uma mudança completa. Eu tenho certeza absoluta que eles querem mudar, só não sabem como.

 

P- Nunca lhe deram o título de cidadão Juazeirense?

R- Não. Talvez em decorrência da crítica que eu faço a esse tipo de comportamento. Eles erram demais nessa coisa. O cidadão para merecer o titulo precisa ter demonstração de desprendimento. Não é só o problema de valor pessoal, mas de valor com relação à comunidade. Quando foi dado o título de cidadão de Petrolina a Washington Barbosa, eu fui. Os outros, eu não vou a nenhum porque acho uma palhaçada.

 "TEM QUE SE ORGANIZAR. OU A SOCIEDADE CIVIL SE ORGANIZA OU NUNCA VAI TER CONDIÇÃO DE LUTAR"



P- O senhor falou assim: “em Juazeiro eu não faço política porque já conheço”. Dessa forma não fica mais fácil fazer?

R- É uma colocação que eu faço sempre. Digo: se eu estivesse no Curaçá, no Sento Sé, no Uauá, faria política. Em Juazeiro não tenho condição de fazer. Já conheço todo o pessoal... Com a juventude ficaria difícil de trabalhar. Eu, por exemplo, trabalhei com a juventude até 1970, 72 e me afastei. Com a turma da velha guarda já conheço as manhas. São pessoas de defeitos terríveis, são pessoas com quem tenho inimizades. Então não dá pra trabalhar. Estou fora do contexto em decorrência de vinganças. Agora, por exemplo, defendo, acho que é correto você participar de um partido, de um grupo. Tem que se organizar. Ou a sociedade civil se organiza ou nunca vai ter condição de lutar. Agora: “você pertence a que partido?” eu respondo: “a nenhum”. Porque com todos eu já tive choques. Tem pessoas que não me dou, que não suporto. Então não dá. Eu fiz, por exemplo, o trabalho para Etelvir quando ele candidatou-se a deputado estadual. Hoje não posso trabalhar mais para Etelvir, em condição nenhuma. Por quê? Porque eu fiz todo aquele trabalho para que ele funcionasse como um catalisador da problemática Juazeirense e ele ficou de fora. É essa a minha situação na política,

 

P- Faltaria a Juazeiro uma liderança?

R- Juazeiro é carente de liderança. A eleição de Arnaldo Vieira, Jorge Khoury, foi a busca de uma liderança que congregasse a comunidade. Petrolina em 1960 encontrou seu líder, Luis Augusto. Toda essa expansão, todo esse crescimento de Petrolina foi consequência do trabalho de Luis Augusto. Muita gente diz: “ah, porque Coelho, que Coelho fez”. Minha gente, Coelho já existia e Petrolina era apenas a parte comercial. Como cidade ela veio a se desenvolver, a ter planos, através de Luís Augusto. Ele foi um tipo independente que não se vinculou a nada. Basta dizer a vocês que ele veio atrás de Pedro Raimundo para traçar toda a sistemática de Petrolina, quando o mesmo não teve condições de desenvolvê-la aqui com Américo Tanuri. O que se passou é que aqui ele ficou bitolado e lá lhe deram a ferramenta para trabalhar. Ora, nós tivemos, em 1962, Américo Tanuri- já era a procura de um líder, que não correspondeu. Vieram vários durante a fase difícil da ditadura e nada. Com o Jorge... se pensou que fosse a pessoa para liderar, mas ele não conseguiu. A tentativa vai continuar e cabe à juventude a tentativa de uma liderança.

 "JUAZEIRO, ATÉ HOJE, VIVE À BUSCA DE UM LÍDER. ENTÃO O QUE NECESSITA É DE UMA IDEIA BÁSICA EM TORNO DA QUAL O POVO COMECE A LUTAR. EU NÃO TENHO DÚVIDA: JUAZEIRO VAI ENCONTRAR O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO MAIS RÁPIDO"


P- Professor, há um lamento na cidade de que  Petrolina toma tudo de Juazeiro. O senhor embarca nessa canoa?

R- É uma história muito longa. Juazeiro era o centro comercial da região do São Francisco. Era uma ciumada terrível... o pessoal de Juazeiro era quem se vestia bem., eles, de Petrolina, é que vinham para Juazeiro porque era bom conviver com Juazeiro. Era a civilização. Juazeiro exportava direto para Londres, Paris. Era um comércio que fazia direto. Exportava cera de carnaúba, algodão, mamona, couro. Vendia e ganhava muito bem. Era uma beleza. Juazeiro ficou deslumbrado com aquele progresso, mas não cuidou de implantar a indústria, ficou somente na parte do comércio. Petrolina, que era entregue a barracão, passou a ser dominada política e economicamente pela família Coelho. Está, com uma visão maior foi forçando o governo do estado a conceder privilégios para Petrolina. Toda a produção do Alto São Francisco passou então a vir para Petrolina porque lá não pagava imposto. Conseguiram isto. Bom, diante disso, o que restava a Juazeiro? Restou a Juazeiro deixar o centro comercial do São Francisco. Na época eu me bati: entrava, discutia, mostrava... “Minha gente vocês vão jogar fora a oportunidade que Juazeiro está tendo que é a de exportar o que não produz”. As lideranças empresariais Luís Libório, Alfredo Viana, Flávio Silva tinham raiva de mim, diziam: “Ah! você é maluco”. Eles foram um bocado burros. Em vez de lutar, o que eles fizeram? Entregaram o ouro ao bandido. Agora veja o que se passa: “PETROLINA TOMA TUDO. Ô MENTIRA HORROROSA: JUAZEIRO QUE ENTREGA TUDO”. Faltou visão, luta no sentido de se conquistar as coisas para Juazeiro.

 

P- Nós também queremos lhe consultar: como o senhor vê a continuidade da história de Juazeiro?

R- Eu tenho um trabalho, por sinal reduzido para uma palestra na Associação Comercial, “Juazeiro, sua Problemática e duas Potencialidades”. Foi uma palestra, mas gostaria que tivesse sido uma semana de debates sobre o tema. Há um ufanismo em muitos, com relação a Juazeiro, sem razão de ser; e há um pessimismo de outros também, também sem razão de ser. Juazeiro não é uma cidade estagnada, mas é uma cidade que não está com o seu potencial todo desenvolvido. A parte agrícola está iniciando, os projetos estão no começo.

Agora, diante do desenvolvimento de Petrolina nós ficamos meio acanhados. Mas é como eu lhe dizia, em outra fase, Petrolina descobriu, em 1960, o seu líder e esse líder traçou, planejou, equacionou os problemas de Petrolina que estão sendo resolvidos aos poucos. Juazeiro, até hoje, vive à busca de um líder. Então o que necessita é de uma ideia básica em torno da qual o povo comece a lutar. Eu não tenho dúvida: Juazeiro vai encontrar o caminho do desenvolvimento mais rápido. Agora é preciso luta.

*NOTA DO ACERVO MARIA FRANCA PIRES: Foi feita a transcrição literal da entrevista tal como foi publicada pelo Jornal Berro d’água.

 


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