Pedro POESIA

 


Pedro Raymundo Rodrigues Rêgo foi um homem raro. De rocha mesmo.

Era arquiteto, foi professor, estudou sempre, conheceu muita ciência. Lutou muito. Relutou toda sua vida pela integridade dos homens. Pedro tinha critérios rígidos e princípios firmes. Resistiu. Fez poesia e voou. Voou alto, longe, subiu, sumiu. Perdeu-se no infinito (11.08.81). Achou-se certamente.

De Pedro ficaram-nos pedaços. Outros lados. Facetas do caminho da pedra. Vejamos. Ainda que seja agora.


A ÁRVORE ME CHAMOU: RECADO DE FOLHA TOCOU MEU OMBRO

Será a mesma folha?

Verde ou amarela?

Madura

ou no chão?

Será a mesma folha

se todas tiveram

aquela mesma infância

no verde galho?

Ninguém sabia do tronco

carregando todas aquelas folhas:

folhas querendo ver o sol,

folhas que espiavam o chão

para o salto derradeiro

e ser do vento.

Como será alegria de folha

abrindo os olhos para ver amanhã?

Quais são as folhas

que receberam as bênçãos da chuva?

Ninguém nunca pensou

que podia nascer uma folha

com medo do sol.

E deve ser tão importante para ela…

Por que a árvore me tocou no ombro,

com uma folha,

e me chamou

se eu sou um homem quase perdido?

(Estão me convencendo que tenho trinta e dois anos,

sou casado

e devo fazer as refeições na hora certa.)


O RISO QUE ESTÁ AGORA NO MEU ROSTO

A minha face perdida

inutilmente procuro nos espelhos

e hoje eu só encontro

a face do quase não Pedro.

E cada dia encontro menos.

Eu me fui construindo

com o que me ensinavam,

com o que fui aprendendo

a vida me foi destruindo.

Não estou nas minhas frases

nem nos meus gestos.

Aonde está o outro Pedro,

bem Pedro?



O CACTO

Ele era um cacto.

O importante em tudo isto

é que ele era um cacto.

Na confusão de idas e vindas,

de muitas palavras,

de campainhas tilintando,

de chamadas urgentes,

de telefonemas,

ele estava sempre sozinho.

Somente ele sabia que era um cacto.

Assim, ele ficou, solitário,

na margem de uma dessas estradas

que a vida andou abrindo por aí

e não asfaltou.


DO QUASE NÃO PEDRO

Era Pedro quase sonho.

A alegria fazia a face.

e os anos.

Era antes.

Eu não nasci assim triste,

ensinaram-me depois.

A tristeza

estava no rosto da minha mãe

e nos prováveis retratos que não estavam na parede,

a triste parede branca ferida pelos pregos!

Este riso triste que tomou conta do meu rosto

não era meu, nunca foi meu.

Ele é um pouco do rosto de minha mãe chorando.

… minha mãe chorando é, agora, toda a minha infância.


PEIXE DE LOUÇA EM CIMA DA MESA

O peixe grita socorro

fora d’água

em cima da mesa,

e lhe põem flores na boca.

Ninguém entende

a saudade do mar

que nunca foi mar

do peixe de louça

que nunca foi peixe.

Serão iguais todas as pessoas

na saudade de visões

do tempo antes

que elas próprias destroem

construindo quatro paredes

e inventando cidades

e fazendo relações?


UMA ESTRELA DESCEU, VEIO DEVAGARINHO…

Uma estrela desceu, veio devagarinho

e espiou o que eu estava escrevendo

e disse qualquer coisa

(e mesmo qualquer coisa de uma estrela é sempre muito luminoso).

Ficou algum tempo olhando

(penso que queria falar comigo)

depois foi embora.

Nenhuma palavra foi minha

para o diálogo impossível,

porque não me deram em pequeno

uma estrela para brincar.


Transcrição dos poemas de Pedro Raymundo, publicados no jornal mensal “O BERRO D’ÁGUA”, na edição número oito do periódico juazeirense, referente ao mês 20/08 a 20/09 de 1987. A documentação pode ser encontrada no Acervo Maria Franca Pires.

Trabalho de pesquisa e coleta de dados por Por Jonatas Pereira, estudante de Jornalismo e bolsista do projeto História e Memória do Território Sertão do São Francisco

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